“Haverá um dia em que o homem verá o assassinato de um animal, como assim vê o de um homem.”
– Buda –
Que o budismo é uma tradição também religiosa que prima pela compaixão por todos os seres viventes não é novidade. É, também, bastante conhecida a existência de paralelos entre muitos dos seus ensinamentos e conceitos científicos oriundos da Física Quântica e outras áreas do conhecimento ocidental, como o de “physis” e o do “self”. No que tange à problemática ambiental – campo de discussão que deve incluir a nossa relação com os animais não-humanos – um aspecto muito interessante a destacar é que os paralelos entre tais preceitos religiosos e os conceitos apontados desvelam, entre outras questões, os limites da nossa percepção fragmentada sobre tudo, e nos remetem a uma cosmovisão na qual todos os fenómenos são manifestações do que podemos chamar de “Ser” (o filósofo Martin Heidegger, por exemplo, diz que a physis é a revelação, a manifestação do Ser). Essa cosmovisão, chamada por alguns de holística, sistémica ou, ainda, ecológica, leva-nos a uma percepção do universo como um todo dinâmico cujas partes se encontram inextricavelmente inter-relacionadas e que inclui cada um de nós: plantas, rochas, animais humanos e não-humanos, etc. As interconexões entre esses diferentes caminhos do conhecimento – religioso, filosófico e científico – mostram, portanto, um grau de consciência absolutamente fascinante.
Tal como se sabe, os diversos povos da Índia tiveram em comum a fascinação e o respeito pelos animais. Os hindus, budistas e jainistas consideravam todas as formas de vida como igualmente importantes, pois as julgavam encarnações de uma energia ou força vital única. Acreditavam que, quando uma pessoa morria, essa energia era reencarnada em alguma outra forma. Portanto, matar um ser vivo era inadmissível. Até um insecto poderia ser vitalizado pela alma de um antepassado ou amigo. Numa forma ainda mais forte de expressar esse sentimento pelos animais, a mitologia hindu dotou os deuses de atributos animais.
A discussão sobre o vegetarianismo e os direitos dos animais é antiga e está presente nas tradições filosóficas ocidental e oriental. No oriente, tem como base as religiões fundamentadas sobre a não-violência (hinduísmo, budismo, jainismo). No ocidente, tem fundamento na filosofia grega clássica, que combinava argumentos éticos e espirituais, e pode ter sido influenciada pelas religiões orientais. Todavia, com o advento do cristianismo se ausentou a força do debate, que ressurgiu após o Renascimento e, principalmente, após o Iluminismo. As preocupações éticas e políticas do Iluminismo estenderam-se à questão animal. No século XIX, a filosofia moral utilitarista também destacou o dever de minimizar o sofrimento dos animais. Nessa época surgiu o bem-estarismo (bem-estar) e as primeiras sociedades protectoras de animais e vegetarianas. No século XX, a expansão do uso de animais por seres humanos, em função do crescimento e industrialização da pecuária e da ampliação experimental científica pelo modelo animal, em conjunto com a ampliação do conhecimento humano acerca das espécies animais, sob a influência de Charles Darwin, levaram a uma reviravolta no debate sobre a questão animal, levando a críticas ao paradigma do bem-estar, à difusão do conceito dos direitos animais e ao surgimento de um movimento abolicionista, em favor do fim do uso de animais pelos seres humanos.
Apesar de tudo, poder-se-á inserir neste contexto o preceito de “não matar”, que não se refere somente tirar a vida humana. Recordo que quando eu era menino, esta ética fundamental era ensinada em forma de apaixonantes histórias. Na época actual, esta forma de doutrina está em desuso, pois foi esquecida pela maioria dos educadores, os quais, tendem mais a se opor a esta moral fundamental do que a segui-la, como bem podemos perceber!
Em suma, independentemente da religião professada, ou não, penso que a prescrição da “não-violência” terá que se estender à existência dos animais não-humanos e, por conseguinte, ao respeito intrínseco pelas interconexões multidimensionais atrás referidas, pois somos dotados de inteligência, intelecto e consciência cósmica que o Mistério da VIDA circunscreve e acalenta em todos os seres, e isso de acordo com o seu grau evolutivo ou estágio!
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