Arquivo | Fevereiro, 2013
12 Fev

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OS MUROS OBSCUROS DO VATICANO
A sagrada guerra de poderes ante as “Sandálias do Pescador”

Talvez pouca gente saiba, que o Vaticano está expondo em Roma os documentos do chamado “Arquivo Secreto Vaticano” que, por 400 anos ficaram trancados, tornando-se uma das maiores lendas da história religiosa, cultural e política do mundo. Entre muitos livros, poder-se-á achar documentos como os registos dos interrogatórios que Galileu Galilei foi submetido, neles o físico jura acreditar nos ensinamentos da Igreja Católica para não ser morto como herege.
Voltaire, também, aparece nesses documentos, pois numa sala foram colocadas algumas cartas trocadas entre o filósofo que tinha aversão às religiões tradicionais e o papa Bento XIV com quem ele mantinha uma relação de respeito, acabou caindo num problema diplomático. A amostra tem como curador Marco Maioriano, que explica essa relação entre o papa e o filósofo. “Às vezes, a honestidade intelectual, que nos faz admirar as pessoas pelo que são, choca-se com a necessidade de manter as razões do Estado e as relações institucionais”.
O público pode ter acesso a todo esse material que faz parte da chamada biblioteca do Papa. E, por falar em papa, um pergaminho de sessenta metros de comprimento, também está sendo exposto, no qual encontramos as acusações contra os templários da França, que foram cavaleiros de uma das primeiras e mais conhecidas ordens religiosas. O documento narra os motivos que levaram o papa Clemente V a ordenar a morte de cinquenta e quatro cavaleiros templários, que morreram incinerados na “santa fogueira”.
Mas, em abono da verdade, a minha intensão de hoje é a de evidenciar algumas das muitas “guerras de poder” que existem na cidade do Vaticano, contendas essas que ainda fortemente dominam a maior parte do mundo civilizado e cristão do século XXI, e que nenhum papa, por mais humano e venerado que seja, pode desintegrar ou opor-se sem que lhe possa custar a sanidade mental, lucidez ou a própria vida, tal como aconteceu ao papa João Paulo I.
Perante este texto, muitos leitores julgarão que não gosto do Vaticano ou do Papa; mas não é bem assim. Tão-somente não gosto do que essas duas entidades “sacralizadas” podem representar de obscuridade, de vilanagem, falsidade e de tirania num mundo que busca “luz nas trevas” e que clama por maior justiça e transparência para que os homens e mulheres do planeta possam evoluir, tanto humana como espiritualmente.
Sei que posso ser criticado, vilipendiado, ameaçado e atormentado por vozes e “forças” discordantes e mal-intencionadas, mas, que isso não me tire a lucidez e a firmeza que tenho em escrever o que aqui registo, para todos os que quiserem ler, interpretar, apreender e meditar!
Perante as últimas notícias sobre a demissão do papa Bento XVI, redijo um texto pejado de traições, inconfidências, métodos obscuros que, perpetrados por “soldados do Altíssimo” que lutam pelo poder com armas do “demónio”, revela um mordomo gatuno, um papa doente e um banco poderoso que usa o nome de Deus em vão… A propósito, a detenção do mordomo do papa deixou exposta uma guerra de poder no Vaticano. Na sequência, o poderoso cardeal Bertone, que é Secretário de Estado do Vaticano, enviou para o exílio alguns dos seus colaboradores mais chegados. Enquanto isso, o papa Bento XVI tenta obter uma trégua, mas a luta é encarniçada.
Para que melhor possam entender os leitores a trama última do Vaticano, falemos um pouco do secretário privado do papa. George Ganswein é alemão, tem 57 anos, 1,80 metros de altura, corpo atlético, cabelos louros, olhos claros. Há nove anos é o secretário pessoal de Joseph Ratzinger, e há alguns meses o seu único antídoto contra o ar contaminado do Vaticano. Num certo dia não muito distante, chegou ao seu número de fax – ao qual poucas pessoas têm acesso – uma carta comprometedora dirigida ao papa. Antes que Bento XVI a lesse, monsenhor Ganswein determinou guardá-la no seu pequeno escritório situado adentro do apartamento papal. Efectivamente não convinha que aquela missiva saísse regamboleando por um Vaticano transformado em campo de batalha. Por isso, quando o padre George a viu publicada num livro, com dezenas de documentos secretos, soube imediatamente que o traidor, o “corvo”, a “toupeira”, tinha de ser alguém muito próximo. Alguém da “família”. Assim são apelidados intramuros os que auxiliam de perto o papa. A família pontifícia. A família do papa. Além do padre George, e do outro secretário, o sacerdote maltês Alfred Xuereb, “a família do papa” é composta por quatro laicas consagradas – Carmela, Loredana, Cristina e Rosella -, que é uma freira que o ajuda nos trabalhos de estudo e escrita, sóror Birgit Wansing, e um assistente de câmara, Paolo Gabriele, e o seu fiel Paoletto, o primeiro que há seis anos dá-lhe o bom-dia e o ajuda a vestir-se e a celebrar a missa, acompanhando-o em todas as audiências públicas e privadas, servindo-lhe o café da manhã, o vinho nas refeições e a tisana da tarde, e que, também, o acompanha nos seus passeios pelo jardim do terraço e, ao cair da noite, ajuda-o a despir-se e a ir para a cama.
A noite do dia 22 de Maio foi a última em que o mordomo do papa, Paolo Gabriele, de 46 anos, casado e com três filhos e dupla cidadania – italiana e vaticana -, acompanhou o papa. No dia seguinte, a “Gendarmaria do Vaticano” apresentou-se na sua casa na Via de Porta Angelica, sobre o muro que separa os dois Estados, e o deteve. O segredo foi mantido por dois dias. No entanto, no dia 25, a notícia tornou-se pública: detido o mordomo do papa por revelar e divulgar documentos secretos.
Aos 85 anos, Bento XVI vive isolado no seu Apartamento do Vaticano, encurralado pelas lutas entre os cardeais que tentam ganhar poder antes da celebração do próximo conclave. Ratzinger é um homem idoso e doente, mas é, sobretudo, um homem só. O seu velho amigo e teórico braço-direito, Tarcisio Bertone, o secretário de Estado do Vaticano, afastou-se do papa e, ao mesmo tempo, transformou-se no inimigo a vencer pelos demais cardeais italianos. É acusado de ambição desmedida, de relações perigosas com os poderes fortes de Itália, inclusive de deixar-se influir por “ambientes maçónicos”. O papa, que nos últimos tempos observou com tristeza como o cardeal Bertone demitiu ou enviou para o exílio alguns dos seus colaboradores mais queridos, sempre responde com a mesma frase a quem o aconselha a mudar de secretário de Estado; “Já sou um papa velho…”
O primeiro golpe chega com a divulgação, através de um programa de televisão, de uma carta do arcebispo Carlo Maria Viganò, actual núncio nos EUA, na qual conta ao papa diversos casos de corrupção dentro do Vaticano, pedindo-lhe para não ser removido do seu cargo de secretário-geral do Governatório – que é o departamento encarregado de licitações e fornecimentos. O cardeal Viganò, porém, é enviado para longe de Roma pelo Secretário de Estado, Tarcisio Bertone. Diversas fontes afirmam, que o papa chegou a chorar com essa decisão, mas não se atreveu a contradizer Bertone.
A Cadeira de Pedro continua sendo ocupada por um estrangeiro desde 1978. A um papa polonês (João Paulo II, de 1978 a 2005) sucedeu um papa alemão (Bento XVI, de então até hoje) e, se os cardeais italianos com menos de 80 anos – os que podem participar do conclave – não estiverem atentos poderão perder uma oportunidade de ouro. Actualmente, os cardeais eleitores são 122. Italianos, 30 (menos de um quarto), 11 americanos e 6 alemães. Com a demissão de Ratzinger não o suceder um italiano, na próxima vez será mais difícil. Antes deste último escândalo, já era patente o peso excessivo da Igreja italiana no Vaticano. Praticamente todos os cargos de responsabilidade relacionados às finanças estão em mãos italianas, apesar de os maiores contribuintes serem americanos e alemães. Da mesma forma, embora os EUA, a Ásia e a África sejam mais o presente que o futuro da Igreja Católica, no último consistório, realizado em 18 de Fevereiro passado, não foi nomeado nenhum cardeal africano, mas só um latino-americano.
Voltando à questão do mordomo do papa, a sua detenção ocorreu algumas horas depois de outro facto muito grave. A demissão fulminante de Ettore Gotti Tedeschi, presidente do Instituto para as Obras de Religião (IOR), conhecido como o “Banco Vaticano”. A primeira explicação fala em “irregularidades na sua gestão”, mas depois o tom vai aumentando até chegar quase ao linchamento. A primeira explicação oficial critica o economista de 67 anos por “não ter desenvolvido funções de primeira importância para o seu cargo”. A verdade é que o Banco Vaticano está sendo submetido desde Setembro passado a uma investigação judicial por suposta violação das normas contra a lavagem de capitais. Além de Gotti Tedeschi – presidente também do Santander Consumer Bank, a filial italiana do Banco Santander -, a promotoria investiga o director-geral do IOR, Paolo Cipriani. O director mostra-se enfurecido nas suas declarações à imprensa, dizendo: “Prefiro não falar. Se o fizesse, só diria palavras feias. Debato-me entre a ânsia de explicar a verdade e não querer turvar o Santo Padre com tais explicações”. Tedeschi é, ainda, dos poucos que guarda fidelidade ao papa. De facto, foi o próprio Joseph Ratzinger quem o recomendou a Bertone. Eram mais que velhos amigos. O economista, membro do Opus Dei, havia colaborado com o papa na encíclica “Caritas in veritate”. Agora, a colaboração que lhe pedia era mais terrena… E, portanto, mais difícil: resgatar das mãos do “demónio” as contas de Deus. Portanto, o mesmo que “purificar” o Banco Vaticano. Bertone e Tedeschi chocam-se. O economista amigo do papa ameaça demitir-se. O Secretário de Estado adianta-se e demite-o. Mas não se contenta com isso. Em plena guerra de despejos, aparece um documento no qual se ataca o já ex-presidente… O assunto fica em segundo lugar. Toda a atenção agora está concentrada na sorte de Paolo Gabriele. A primeira pergunta é: por que é que fez isso? A segunda: para quem? Roma é tomada por um bando de “corvos” anónimos que se dizem companheiros de Paoletto, que é uma espécie de cruzada contra os assuntos turvos do Vaticano. “Paoletto não está só”, afirmam, “somos muitos, inclusive muito acima. Queremos defender o papa, denunciar a corrupção, fazer limpeza no Vaticano”, afirma-se.
Como bem se pode entender, as vozes anónimas confirmam o que já se sabia há muito tempo – o Vaticano é há meses um campo de batalha entre diferentes facções que lutam pelo poder -, mas as suas teóricas intenções são difíceis de acreditar. Tão incríveis quanto alguns detalhes da operação: à frente estaria uma mulher e, a “milícia” seria formada por uma plêiade de vingadores, de cardeais a mordomos, incluindo um pirata informático. O seu principal objetivo: proteger o papa de Tarcísio Bertone.
Depois de vários dias em silêncio, o papa fala. Mas não diz nada. Remonta vinte séculos atrás para lembrar que Jesus também foi traído. Acusa os meios de comunicação de ampliar o problema e confirma nos seus cargos todos os colaboradores – incluindo Tarcisio Bertone. Os muros do Vaticano fecham-se ainda mais. O mistério, sempre presente nas histórias religiosas e laicas de Roma, envolve tudo. Perguntemos: Paoletto já falou? Expôs se roubou a correspondência do papa por sua conta ou por solicitação? Talvez seja o padre George, sentado junto ao seu fax, o único que sabe a verdade, talvez o único que cumpra a sua função de proteger o papa. Ou talvez não. Se nalguma coisa concordam crentes e descrentes, de um lado e outro do Tibre, é em que, como é habitual nos assuntos referentes ao Vaticano, jamais se saberá a verdade. Nunca se conhecerá o verdadeiro chefe de Paolo Gabriele, a identidade do “corvo” vestido de púrpura.
Em suma, a Igreja Católica, que precisa da fé para continuar existindo, continua sentindo-se cómoda na obscuridade. “Já tivemos esse problema no século XIII…Na sua primeira encíclica – “Deus caritas est” (2005) -, Bento XVI citava uma frase de Santo Agostinho, que hoje soa profética: “Sem justiça, o que são os reinos senão um grande bando de ladrões?”
Agora, creio que a pergunta final será: quem será o novo papa que expurgará a Igreja de Roma ou se calará para sempre? A resposta, o tempo dirá!
E para concluir, a meu ver a demissão deste papa está por demais esclarecida!